
O homem mais rico do mundo vai se aposentar.E escolheu um antigo concorrente para liderar a evolução tecnológica na Microsoft.
O programador americano Ray Ozzie trabalha há um ano em Redmond, uma cidadezinha do noroeste dos Estados Unidos. Mas só há poucas semanas resolveu comprar um apartamento na região. Até agora, Ozzie morava num flat de segunda a quinta-feira - e tomava um avião nos fins de semana para visitar a família, em Boston. Foi depois de uma conversa com o chefe que Ozzie decidiu mudar de casa. "Ele me disse que queria se aposentar e iria delegar algumas de suas funções", afirmou Ozzie à revista americana Fortune. "Por isso, decidi adaptar minha rotina para trabalhar mais." Ozzie seria apenas mais um executivo prestes a se mudar para mais perto do trabalho não fosse por um detalhe: ele trabalha na Microsoft - e seu chefe é Bill Gates, o homem mais rico do mundo.
Na semana em que Ozzie assinou o contrato de compra do novo apartamento - uma bela cobertura com vista para o porto de Seattle, a poucos quilômetros da sede da Microsoft -, William Henry Gates III anunciou sua aposentadoria. Gates disse que vai abandonar as funções executivas na Microsoft em julho de 2008 para se dedicar à filantropia. Seu cargo atual, arquiteto-chefe de software - uma espécie de cérebro da companhia, que define os rumos da empresa e de seus produtos -, será ocupado por Ozzie.
Mais que uma simples sucessão, a troca do comando tecnológico na Microsoft tem sido vista com desconfiança por analistas. "Quem está deixando a empresa é o fundador, não um executivo sênior. A saída de Gates é mais que uma simples aposentadoria", disse Greg DeMichillie, analista do instituto de pesquisas Directions on Microsoft. "Gates é o guru da empresa e uma figura admirada por todos os funcionários. E Ozzie tem o desafio de ser o herdeiro intelectual desse legado. Mais que competência, ele vai precisar de muito carisma."
Definir o perfil ideal de um sucessor não é - nem pode ser - algo simples. Em grandes empresas, a característica pessoal que costuma prevalecer nos momentos de troca de comando pode variar entre a herança genética do sucessor e a capacidade do novo comandante de enfrentar crises.
No Brasil, onde a maioria das empresas é familiar, predominam os genes. Nomes como Abílio Diniz, do Pão de Açúcar, Constantino de Oliveira Júnior, da Gol, e Emílio Odebrecht, da construtora que leva seu nome, são exemplos de herdeiros que vêm provando ser grandes administradores. Nos Estados Unidos, porém, a maior parte das sucessões é definida pela capacidade do executivo escolhido em entregar bons resultados financeiros. Foi assim com Jeffrey Immelt, que sucedeu a Jack Welch na presidência da General Electric por ser um dos diretores mais produtivos da empresa. E com Mark Hurd, que está reerguendo a HP depois de brilhar 25 anos como diretor-financeiro da NCR.
Na Microsoft, o time de gestores sempre foi visto como uma grande família. Quase metade dos diretores da empresa tem mais de dez anos de casa. O presidente da Microsoft, Steve Ballmer - o principal executivo da companhia, que trabalhará ao lado de Ozzie -, foi convidado por Gates para trabalhar na empresa em 1980, apenas cinco anos depois da fundação. Em reuniões de negócios, é comum Gates começar uma frase e Ballmer terminá-la.
Ray Ozzie é um forasteiro. Ele chegou à empresa no ano passado, imbuído da missão de recuperar o viço inovador da Microsoft, abalado com a difusão de novos serviços on-line, como o Google. Um dos desafios de Ray Ozzie é manter a mesma sintonia que Gates tem com Ballmer. Ele tem a seu favor o fato de ser uma celebridade do mundo da tecnologia e um dos programadores mais talentosos de sua geração. Curiosamente, passou a maior parte da vida profissional do lado oposto ao da Microsoft, como concorrente.
No começo dos anos 80, Ozzie ajudou a desenvolver a primeira planilha eletrônica, chamada VisiCalc. A idéia foi depois copiada pela Microsoft, ao lançar o hoje onipresente Excel. Algum tempo depois, Ozzie criou o Lotus Notes, um software de correio eletrônico que se tornou um dos programas mais populares do mundo - na ocasião, ele estava à frente inclusive do Outlook, da Microsoft.
Em 1997, Ozzie fundou a Groove Networks, empresa pioneira em desenvolver programas que podiam ser usados para trabalhos colaborativos. A Groove também criou programas de troca de arquivos pela internet, baseados na mesma tecnologia que fez a fama de serviços on-line de troca de faixas musicais, como o Napster e o KaZaA. Em abril de 2005, após anos de namoro, a Microsoft comprou a Groove - e Gates trouxe Ozzie para trabalhar em Redmond. "Tento contratar Ray há 23 anos", disse Bill Gates ao anunciar a compra da Groove. "Não tenho palavras para dizer quanto ele foi e será importante para nós."
Tal importância será posta à prova em breve. Um dos maiores desafios de Ozzie é manter o legado do fundador da Microsoft: criar produtos inovadores para a empresa. Gates, sozinho, teve a habilidade de mudar os rumos da Microsoft em diversas ocasiões. Foi assim na década de 80, quando a empresa trocou a ultrapassada tela preta do sistema DOS pelos ícones coloridos do Windows. E, nos anos 90, quando se moveu com força para a internet.
Nos últimos anos, contudo, Gates parece ter perdido o entusiasmo e a capacidade de inovar. O hiato criativo teve início em 2000, quando Gates se afastou do comando executivo da empresa para promover Steve Ballmer. De lá para cá, a Microsoft vem enfrentando diversas ameaças a sua hegemonia. A empresa continua muito rentável - os lucros cresceram 33% nos últimos três anos. Mas o faturamento subiu menos que o esperado pelos analistas financeiros americanos - apenas 8% no último ano fiscal. O preço de suas ações na Bolsa de Valores está estagnado. E a Microsoft adquiriu um rival de peso na capacidade de inovação e, portanto, de atrair os programadores mais talentosos: o Google. "Os investidores apostam muito mais no Google, que cresceu 92% no ano passado e tem produtos mais inovadores", diz um analista de uma consultoria internacional.
O avanço do Google - que se tornou a empresa mais influente do mundo da tecnologia - e a oferta de softwares pela internet por outros concorrentes, como o Yahoo!, foram golpes duros. Para completar o cenário ruim, a Microsoft atrasou por duas vezes o lançamento de seus novos produtos, como o Windows Vista (a nova versão do Windows) e o sistema de programas de escritório Office 2007. "O modelo de negócios da Microsoft, em que os programadores passam anos aperfeiçoando um software antes de lançá-lo, parece não funcionar neste século, em que os programas são feitos quase exclusivamente para a web", diz um relatório do instituto de pesquisas Gartner sobre o assunto.
Cabe a Ozzie mudar esse quadro. E ele já começou a trabalhar para alcançar o objetivo. Ozzie é conhecido como um exímio contador de histórias. É freqüente vê-lo conversar com subordinados sobre beisebol na hora do café. "Entre um papo e outro, ele aproveita para dar um toque profissional. Isso acaba unindo as pessoas e tornando Ozzie uma figura popular", afirma Blake Irving, diretor da divisão de internet MSN, da Microsoft.
Ozzie também arrumou um ótimo conselheiro na empresa: o próprio Bill Gates. Nas últimas semanas, eles escreveram em conjunto um relatório de 51 páginas sobre os desafios da empresa para os próximos meses - inclusive uma estratégia para tentar derrubar a hegemonia do Google na web. Ao que tudo indica, os dois trabalharão juntos até 2008, quando Gates pretende sair de cena. É o tempo que resta a Ozzie para conquistar a confiança de todos. "Gates costumava mandar e-mails aos funcionários para anunciar as mudanças de rumo. Quando isso acontecia, a empresa toda parava para ler", afirma um ex-executivo da Microsoft. "Ainda não está claro para mim se uma mensagem de Ozzie terá o mesmo efeito."
O programador americano Ray Ozzie trabalha há um ano em Redmond, uma cidadezinha do noroeste dos Estados Unidos. Mas só há poucas semanas resolveu comprar um apartamento na região. Até agora, Ozzie morava num flat de segunda a quinta-feira - e tomava um avião nos fins de semana para visitar a família, em Boston. Foi depois de uma conversa com o chefe que Ozzie decidiu mudar de casa. "Ele me disse que queria se aposentar e iria delegar algumas de suas funções", afirmou Ozzie à revista americana Fortune. "Por isso, decidi adaptar minha rotina para trabalhar mais." Ozzie seria apenas mais um executivo prestes a se mudar para mais perto do trabalho não fosse por um detalhe: ele trabalha na Microsoft - e seu chefe é Bill Gates, o homem mais rico do mundo.
Na semana em que Ozzie assinou o contrato de compra do novo apartamento - uma bela cobertura com vista para o porto de Seattle, a poucos quilômetros da sede da Microsoft -, William Henry Gates III anunciou sua aposentadoria. Gates disse que vai abandonar as funções executivas na Microsoft em julho de 2008 para se dedicar à filantropia. Seu cargo atual, arquiteto-chefe de software - uma espécie de cérebro da companhia, que define os rumos da empresa e de seus produtos -, será ocupado por Ozzie.
Mais que uma simples sucessão, a troca do comando tecnológico na Microsoft tem sido vista com desconfiança por analistas. "Quem está deixando a empresa é o fundador, não um executivo sênior. A saída de Gates é mais que uma simples aposentadoria", disse Greg DeMichillie, analista do instituto de pesquisas Directions on Microsoft. "Gates é o guru da empresa e uma figura admirada por todos os funcionários. E Ozzie tem o desafio de ser o herdeiro intelectual desse legado. Mais que competência, ele vai precisar de muito carisma."
Definir o perfil ideal de um sucessor não é - nem pode ser - algo simples. Em grandes empresas, a característica pessoal que costuma prevalecer nos momentos de troca de comando pode variar entre a herança genética do sucessor e a capacidade do novo comandante de enfrentar crises.
No Brasil, onde a maioria das empresas é familiar, predominam os genes. Nomes como Abílio Diniz, do Pão de Açúcar, Constantino de Oliveira Júnior, da Gol, e Emílio Odebrecht, da construtora que leva seu nome, são exemplos de herdeiros que vêm provando ser grandes administradores. Nos Estados Unidos, porém, a maior parte das sucessões é definida pela capacidade do executivo escolhido em entregar bons resultados financeiros. Foi assim com Jeffrey Immelt, que sucedeu a Jack Welch na presidência da General Electric por ser um dos diretores mais produtivos da empresa. E com Mark Hurd, que está reerguendo a HP depois de brilhar 25 anos como diretor-financeiro da NCR.
Na Microsoft, o time de gestores sempre foi visto como uma grande família. Quase metade dos diretores da empresa tem mais de dez anos de casa. O presidente da Microsoft, Steve Ballmer - o principal executivo da companhia, que trabalhará ao lado de Ozzie -, foi convidado por Gates para trabalhar na empresa em 1980, apenas cinco anos depois da fundação. Em reuniões de negócios, é comum Gates começar uma frase e Ballmer terminá-la.
Ray Ozzie é um forasteiro. Ele chegou à empresa no ano passado, imbuído da missão de recuperar o viço inovador da Microsoft, abalado com a difusão de novos serviços on-line, como o Google. Um dos desafios de Ray Ozzie é manter a mesma sintonia que Gates tem com Ballmer. Ele tem a seu favor o fato de ser uma celebridade do mundo da tecnologia e um dos programadores mais talentosos de sua geração. Curiosamente, passou a maior parte da vida profissional do lado oposto ao da Microsoft, como concorrente.
No começo dos anos 80, Ozzie ajudou a desenvolver a primeira planilha eletrônica, chamada VisiCalc. A idéia foi depois copiada pela Microsoft, ao lançar o hoje onipresente Excel. Algum tempo depois, Ozzie criou o Lotus Notes, um software de correio eletrônico que se tornou um dos programas mais populares do mundo - na ocasião, ele estava à frente inclusive do Outlook, da Microsoft.
Em 1997, Ozzie fundou a Groove Networks, empresa pioneira em desenvolver programas que podiam ser usados para trabalhos colaborativos. A Groove também criou programas de troca de arquivos pela internet, baseados na mesma tecnologia que fez a fama de serviços on-line de troca de faixas musicais, como o Napster e o KaZaA. Em abril de 2005, após anos de namoro, a Microsoft comprou a Groove - e Gates trouxe Ozzie para trabalhar em Redmond. "Tento contratar Ray há 23 anos", disse Bill Gates ao anunciar a compra da Groove. "Não tenho palavras para dizer quanto ele foi e será importante para nós."
Tal importância será posta à prova em breve. Um dos maiores desafios de Ozzie é manter o legado do fundador da Microsoft: criar produtos inovadores para a empresa. Gates, sozinho, teve a habilidade de mudar os rumos da Microsoft em diversas ocasiões. Foi assim na década de 80, quando a empresa trocou a ultrapassada tela preta do sistema DOS pelos ícones coloridos do Windows. E, nos anos 90, quando se moveu com força para a internet.
Nos últimos anos, contudo, Gates parece ter perdido o entusiasmo e a capacidade de inovar. O hiato criativo teve início em 2000, quando Gates se afastou do comando executivo da empresa para promover Steve Ballmer. De lá para cá, a Microsoft vem enfrentando diversas ameaças a sua hegemonia. A empresa continua muito rentável - os lucros cresceram 33% nos últimos três anos. Mas o faturamento subiu menos que o esperado pelos analistas financeiros americanos - apenas 8% no último ano fiscal. O preço de suas ações na Bolsa de Valores está estagnado. E a Microsoft adquiriu um rival de peso na capacidade de inovação e, portanto, de atrair os programadores mais talentosos: o Google. "Os investidores apostam muito mais no Google, que cresceu 92% no ano passado e tem produtos mais inovadores", diz um analista de uma consultoria internacional.
O avanço do Google - que se tornou a empresa mais influente do mundo da tecnologia - e a oferta de softwares pela internet por outros concorrentes, como o Yahoo!, foram golpes duros. Para completar o cenário ruim, a Microsoft atrasou por duas vezes o lançamento de seus novos produtos, como o Windows Vista (a nova versão do Windows) e o sistema de programas de escritório Office 2007. "O modelo de negócios da Microsoft, em que os programadores passam anos aperfeiçoando um software antes de lançá-lo, parece não funcionar neste século, em que os programas são feitos quase exclusivamente para a web", diz um relatório do instituto de pesquisas Gartner sobre o assunto.
Cabe a Ozzie mudar esse quadro. E ele já começou a trabalhar para alcançar o objetivo. Ozzie é conhecido como um exímio contador de histórias. É freqüente vê-lo conversar com subordinados sobre beisebol na hora do café. "Entre um papo e outro, ele aproveita para dar um toque profissional. Isso acaba unindo as pessoas e tornando Ozzie uma figura popular", afirma Blake Irving, diretor da divisão de internet MSN, da Microsoft.
Ozzie também arrumou um ótimo conselheiro na empresa: o próprio Bill Gates. Nas últimas semanas, eles escreveram em conjunto um relatório de 51 páginas sobre os desafios da empresa para os próximos meses - inclusive uma estratégia para tentar derrubar a hegemonia do Google na web. Ao que tudo indica, os dois trabalharão juntos até 2008, quando Gates pretende sair de cena. É o tempo que resta a Ozzie para conquistar a confiança de todos. "Gates costumava mandar e-mails aos funcionários para anunciar as mudanças de rumo. Quando isso acontecia, a empresa toda parava para ler", afirma um ex-executivo da Microsoft. "Ainda não está claro para mim se uma mensagem de Ozzie terá o mesmo efeito."
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